Pequenas Profissões

“Nos botequins, fonógrafos roufenhos esganiçavam canções picarescas; numa taberna escura
com turcos e fuzileiros navais, dois violões e um cavaquinho repinicavam. Pelas calçadas, paradas às
esquinas, à beira do quiosque, meretrizes de galho de arruda atrás da orelha e chinelinho na ponta do pé,
carregadores espapaçados14 , rapazes de camisa de meia e calça branca bombacha com o corpo flexível
dos birbantes15 , marinheiros, bombeiros, túnicas vermelhas e fuzileiros — uma confusão, uma mistura
de cores, de tipos, de vozes, onde a luxúria crescia.
De repente o meu amigo estacou. Alguns metros adiante, na Rua Fresca, um rapaz doceiro
arriara a caixa, e sentado num portal, entregava o braço aos exercícios de um petiz da altura de um
metro. Junto ao grupo, o cigano, com outro embrulho, falava.
— Vês? Aquele pequeno é marcador, faz tatuagens, ganha a sua vida com três agulhas e um
pouco de graxa, metendo coroas, nomes e corações nos braços dos vendedores ociosos. O cigano
molambeiro aproveita o estado de semi-dor e semi-inércia do rapaz para lhe impingir qualquer um dos
seus trapos…um psicólogo, como todos os da sua raça, psicólogo como as suas irmãs que lêem a buena
dicha por um tostão e amam por dez com consentimento deles…” – João do Rio, A alma encantadora das ruas (1908)


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