Os tatuadores – 2

“Da tatuagem no Rio faz-se o mais variado estudo da crendice. Por ele se reconstrói a vida
amorosa e social de toda a classe humilde, a classe dos ganhadores, dos viciados, das fúfias16 de porta
aberta, cuja alegria e cujas dores se desdobram no estreito espaço das alfurjas17 e das chombergas18 ,
cujas tragédias de amor morrem nos cochicholos sem ar, numa praga que se faz de lágrimas. A tatuagem
é a inviolabilidade do corpo e a história das paixões. Esses riscos nas peles dos homens e das mulheres
dizem as suas aspirações, as suas horas de ócio e a fantasia da sua arte e a crença na eternidade dos
sentimentos — são a exteriorização da alma de quem os traz.
Há três casos de tatuagem no Rio, completamente diversos na sua significação moral: os negros,
os turcos com o fundo religioso e o bando das meretrizes, dos rufiões e dos humildes, que se marcam
por crime ou por ociosidade. Os negros guardam a forma fetiche; além dos golpes sarados com o pó
preservativo do mau olhado, usam figuras complicadas. Alguns, como o Romão da Rua do Hospício,
têm tatuagens feitas há cerca de vinte anos, que se conservam nítidas, apesar da sua cor — com que se
confunde a tinta empregada.” – João do Rio, A alma encantadora das ruas (1908)


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